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MULHER: Trabalho Invisível

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 Mulher, quem vê o seu trabalho?

Todas sabemos que as mulheres desempenham um papel fundamental na rede de cuidados e atendimento a pessoas com deficiência, atuando em papéis diversos, desde cuidadoras informais até profissionais de saúde, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e outras áreas relacionadas à saúde e bem-estar das pessoas com deficiência.

Também sabemos que são as mulheres as principais responsáveis pelo cuidado de membros da família com deficiência, especialmente crianças e adultos com deficiências. Na maioria das famílias, são elas que dedicam grande parte de seu tempo e energia para garantir que essas pessoas tenham acesso aos cuidados adequados, incluindo serviços médicos, terapias e outras formas de apoio.

É claro que a rede de cuidados e atendimento a pessoas com deficiência é complexa e envolve uma ampla gama de profissionais e serviços. Todos eles têm um papel importante a desempenhar na prestação de cuidados e serviços de qualidade, mas é inegável que as mulheres têm um papel crítico nessa rede e que seu trabalho é essencial para garantir o bem-estar e a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.

 

Impacto Econômico do cuidado feminino

A importância da mulher no cuidado das pessoas com deficiência também fica mais evidente quando se pensa no impacto econômico do atendimento feminino a pessoas com deficiência. O trabalho não remunerado que as mulheres realizam como cuidadoras informais costuma representar um custo significativo para as famílias, afetando diretamente a renda e a capacidade das mulheres de participar plenamente da força de trabalho remunerada, aspecto importante e muitas vezes ignorado da economia global.

De acordo com um relatório da organização não governamental britânica, OXFAM, o valor global do trabalho não remunerado, principalmente realizado por mulheres, é estimado em US$ 10,8 trilhões anualmente. Isso inclui o trabalho doméstico como limpeza, preparação de alimentos e cuidados com crianças e idosos, bem como o trabalho de cuidado informal, como o cuidado de membros da família com deficiência.

De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2023), cuidados não remunerados com membros da família com deficiência atinge as mulheres desproporcionalmente, chegando a excluí-las até mesmo das estatísticas de desemprego, uma vez que por conta dessas responsabilidades, elas não têm disponibilidade para procurar e ingressar num emprego em curto prazo.

Além disso, mesmo em profissões relacionadas ao cuidado de pessoas com deficiência, as mulheres muitas vezes enfrentam desigualdades salariais e falta de reconhecimento pelo trabalho realizado. Por exemplo, as enfermeiras e assistentes sociais são predominantemente mulheres e, ainda assim, recebem salários mais baixos do que os profissionais do sexo masculino (ONU, 2022).

É importante reconhecer e valorizar o trabalho das mulheres na rede de cuidados e atendimento a pessoas com deficiência, tanto em termos de cuidado informal quanto profissional. Isso inclui a remuneração justa pelo trabalho realizado, bem como o acesso a oportunidades de formação e avanço na carreira. A valorização do trabalho das mulheres no cuidado de pessoas com deficiência é fundamental para garantir a igualdade de gênero e a justiça social.

 

Mães de autistas sobrecarregadas

É verdade que as mulheres, especialmente as mães de crianças com deficiência, muitas vezes enfrentam uma carga desproporcional de trabalho de cuidado, o que pode levar a estresse, esgotamento e outros problemas de saúde mental. Isso pode incluir um risco aumentado de suicídio.

Um estudo de 2022 publicado na revista científica Family Process, acompanhou 86 mães de crianças com e sem autismo nos Estados Unidos e descobriu que 50% das mães de crianças com autismo apresentavam elevados níveis de sintomas de depressão ao longo de 18 meses, em comparação com com 6% a 13.6% das mães de crianças neurotípicas no mesmo período.  

Uma revisão da literatura (Boyd, 2002) apontou para a relação entre stress materno e o acesso a apoio social para mães de crianças autistas. Os dados levantados mostraram que mães e pais que receberam apoio conseguiram se relacionar melhor emocionalmente com seus filhos, enquanto mães que recebiam baixo nível de apoio social tinham maior predisposição ao desenvolvimento de sintomas de ansiedade e depressão.

É importante reconhecer a sobrecarga de trabalho de cuidado que muitas mulheres enfrentam e garantir que elas tenham acesso a recursos e apoio adequados para lidar com o estresse e o esgotamento. Isso pode incluir serviços de cuidado e apoio à família, aconselhamento e terapia, bem como medidas para garantir que as mulheres tenham acesso a empregos remunerados justos e flexíveis que permitam equilibrar as demandas de trabalho e cuidado.

 

Mais equidade no cuidado

O ativismo pela igualdade de gênero, também conhecido como feminismo, pode ser benéfico para aliviar a carga de trabalho das mulheres que cuidam de familiares com deficiência. Isso porque muitas das desigualdades que as mulheres enfrentam, incluindo a sobrecarga de trabalho de cuidado, são enraizadas em sistemas e estruturas sociais mais amplos que perpetuam a desigualdade de gênero e a discriminação contra as mulheres.

Para questionar e transformar esses sistemas e estruturas sociais é preciso promover mudanças legislativas e políticas que garantam às mulheres acesso a recursos e apoio adequados para cuidar de familiares com deficiência, incluindo:

 

  • Políticas de licença remunerada para cuidados familiares, que permitam que as mulheres tirem tempo do trabalho para cuidar de membros da família sem sofrer perda de renda ou emprego;
  • Serviços públicos de cuidado e apoio à família, que possam ajudar as mulheres a equilibrar as demandas de trabalho e cuidado;
  • Investimento em educação e treinamento para cuidadores informais, incluindo familiares, para que possam fornecer cuidado de alta qualidade e eficaz sem se sobrecarregarem. 

 

O ativismo pela igualdade de gênero também pode ajudar a desafiar as normas sociais e culturais que perpetuam a ideia de que as mulheres são as únicas responsáveis pelo trabalho de cuidado e que esse trabalho não é valorizado ou reconhecido como uma forma importante de trabalho.

 Ao desafiar essas normas e promover uma cultura que valoriza o trabalho de cuidado, será possível a aliviar a carga física, mental e emocional das mulheres, especialmente aquelas que cuidam de familiares com deficiência, além de promover uma distribuição mais equitativa do trabalho de cuidado em toda a sociedade.

Para além de todos esses dados sociais, econômicos e políticos, vamos lembrar das mulheres que amamos: Nossas mães, tias, irmãs, primas, filhas e amigas. O ativismo pela justiça de gênero deve ser visto muito além de uma disputa de poder, muito acima de uma demonstração de força. Valorizar as mulheres, seu trabalho e seu cuidado é reconhecer a importância do amor como elemento fundador e mantenedor de uma sociedade mais fraterna e disposta a ser feliz.

 

Referências:

ANDES. Trabalho não remunerado realizado por mulheres representa 10,8 tri por ano no mundo. 24 jan. 2020. Disponível em: https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/trabalho-nao-remunerado-realizado-por-mulheres-representa-uS-10-8-tri-por-ano-no-mundo1 Acesso em: 01 mar. 2023

BERTHOLD, Jess. Half mom of kids with autism have high depressive symptons. University of California San Francisco. 26 ago. 2022. Disponível em: https://www.ucsf.edu/news/2022/08/423546/half-moms-kids-autism-have-high-depressive-symptoms Acesso em: 01 mar. 2023.

BOYD, Brian A. Examining the relationship between stress and lack of social support in mothers of children with autism. Focus on autism and other developmental disabilities. Volume 17, número 4, 2022. Disponível em: https://citeseerx.ist.psu.edu/document?repid=rep1&type=pdf&doi=afb076d313587b66aad00d50b2a21bdb18c47bba Acesso em: 01 mar. 2023.

OIT. Diferenças de gênero no emprego são maiores do que se pensava, segundo relatório da OIT. OIT Brasília, 6 mar. 2023. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_870795/lang--pt/index.htm Acesso em: 07 mar. 2023.

ONU. Mulheres são maioria na saúde e cuidados, mas ganham 24% menos que homens. ONU News, 14 jul 2022. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2022/07/1795492 Acesso em: 01 mar. 2023.