O Poder da Perspectiva Autista no Ambiente de Trabalho
Quando mentes brilhantes não pensam da mesma forma
À medida que as organizações buscam tornar suas forças de trabalho mais diversas em relação à raça, equidade de gênero e pessoas com deficiência, os líderes precisam aplicar essas mesmas estratégias à contratação de funcionários com diferentes tipos de mentes. É o que defende Temple Grandin, professora da Universidade do Colorado e autora de best-sellers, com mais de 50 anos de experiência na indústria e academia e, também, uma pessoa autista.
Em seu artigo "When Great Minds Don't Think Alike", que em português pode ser traduzido como “Quando grandes mentes não pensam igual”, publicado na Harvard Business Review, Grandin argumenta que é hora de aplicar essas mesmas estratégias a diferentes tipos de mentes a fim de aumentar a criatividade, a solução de problemas e a locais de trabalho mais coesos.
Grandin é uma pensadora visual extrema, o que significa que todos os seus pensamentos se assemelham a imagens fotorealistas e pequenos clipes de vídeo, como os do TikTok. Seu recall visual é um vocabulário completo de imagens que vêm de memórias de lugares que visitou, filmes e fotos que viu e textos impressos que traduziu em imagens. Quando é solicitada a avaliar um sistema de manejo de gado, por exemplo, clipes de vídeo de todos os sistemas que ela viu passam por sua mente. Ela classifica essas imagens em categorias e tem a capacidade de combiná-las em coisas novas. Com a idade e a experiência, seu "vocabulário" visual cresceu da mesma forma que uma pessoa verbal aprende ideias complexas por meio de palavras.
Pensadores visuais como Grandin processam informações de maneira diferente; eles usam a solução de problemas prática e a percepção visual. Ela aponta para um momento no início de sua carreira em que sua orientação visual ajudou a resolver alguns problemas comportamentais em gado. Os animais haviam parado subitamente e se recusavam a avançar, causando atrasos no trabalho e comprometendo as margens de lucro. Os tratadores não haviam conseguido descobrir o que estava causando o comportamento do gado e estavam usando métodos extremamente aversivos, como espetar e usar buzinas, para manter os animais alinhados.
Quando Grandin testemunhou esse fenômeno, ela se posicionou na passagem para obter a visão dos olhos do gado. Embora tenha sido ridicularizada pelos fazendeiros e funcionários pela atitude, como pensadora visual, percebeu que era a coisa óbvia a fazer. Ela imediatamente percebeu as pequenas coisas que os tratadores haviam perdido, como sombras, reflexos, até mesmo algo aparentemente insignificante como um pedaço de corrente ou um corte de tecido pendurado dentro da passagem poderia diminuir o movimento do gado. Retirar essas fontes de distração era uma solução simples, mas ninguém mais viu isso.
Grandin aponta que existe ainda um outro tipo de pensador visual, com sua própria perspectiva e conjunto de habilidades exclusivas: os visualizadores espaciais. Essa distinção foi identificada por Maria Kozhevnikov e sua equipe de pesquisadores de Harvard. Pessoas como Grandin, que pensam em imagens fotorealistas, são conhecidas como visualizadores de objetos. Eles tendem a ser bons em design, engenharia mecânica, manejo de animais e outros trabalhos práticos. Os visualizadores espaciais tendem a pensar em padrões e abstração e muitas vezes são habilidosos em matemática, programação de computadores e música. Eles têm abordagens distintas para a solução de problemas: os visualizadores de objetos podem ver como os dispositivos mecânicos funcionam, enquanto os visualizadores espaciais calculam como eles devem funcionar.
Tipos de pensadores visuais
Um bom exemplo de uma colaboração bem-sucedida entre diferentes tipos de mentes é a parceria entre Steve Jobs e Steve Wozniak, que desenvolveram o famoso computador Apple. Jobs concebeu um computador que era bonito e simples de usar, e Wozniak o fez funcionar. De acordo com seu biógrafo Walter Isaacson, Jobs queria uma "experiência do usuário perfeita". Wozniak, o técnico, queria muitos recursos, mas Jobs sabia que muitos recursos tornariam o computador mais confuso de usar. Esse é um exemplo de um pensador visual artístico trabalhando com um parceiro mais orientado tecnicamente para criar um produto de grande sucesso.
Quando diferentes tipos de pensadores se juntam e reconhecem o valor de suas diferentes abordagens, grandes progressos podem ser feitos. A psicóloga organizacional Anita Williams Woolley e seus colegas de Harvard e Stanford realizaram um estudo no qual pediram a visualizadores de objetos e visualizadores espaciais que navegassem por um labirinto virtual no estilo Pac-Man. Algumas das equipes eram pares de pensadores do mesmo estilo, outras eram pensadores diferentes. A pesquisa descobriu que as equipes de pensadores mistos superaram as equipes homogêneas. Quando as equipes eram mistas, os pensadores espaciais visuais se dividiam em tarefas diferentes, mas complementares. Já os grupos homogêneos tendiam a passar mais tempo em conversas que não levavam a resultados. Descobriu-se que grandes mentes que não pensam da mesma forma são mais propensas a produzir inovações surpreendentes.
No Brasil, a Adapte Educação, difunde informações baseadas em evidência para conscientizar a sociedade sobre a importância de se valorizar a singularidade e importância de se promover a inclusão de pessoas autistas e neurodivergentes na educação e no mercado de trabalho e para isso oferece programas e serviços para apoiar a inclusão de pessoas com diferentes tipos de mentes. O programa CooTEA, por exemplo, é uma iniciativa que visa impulsionar a incorporação de pessoas autistas no mercado de trabalho, treinando e supervisionando autistas e empresas para promover a inclusão e a diversidade nas companhias. Além disso, a empresa oferece formação e treinamento em práticas baseadas em evidências e supervisão terapêutica para o ensino de novas habilidades para pessoas autistas, com respeito à sua singularidade neural.
Essas iniciativas são importantes para a inclusão de pessoas com diferentes formas de pensamento no mercado de trabalho e para a promoção de um ambiente de trabalho mais diverso e inclusivo. É fundamental que as empresas sejam conscientes das diferentes formas de pensamento e habilidades, e que valorizem a contribuição de cada indivíduo para a equipe. Ao mesmo tempo, as pessoas neurodivergentes precisam se sentir aceitas em todos os ambientes, sem precisar se encaixar em padrões neurotípicos de comportamento para conviver e trabalhar com o que sabem.