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3 passos para o atendimento de autistas pelas políticas públicas no Brasil

Como planejar políticas que apoiem a comunidade autista no Brasil: lições de uma experiência nos Estados Unidos

 

Em dezembro de 2020, Waldecy Rodrigues, professor de economia da Universidade Federal do Tocantins em Palmas, Brasil, me enviou um e-mail com um convite para trabalhar em um projeto sobre políticas públicas relacionadas ao autismo no Brasil. Eu nunca tinha pensado sobre o autismo pelas lentes do planejamento de políticas. Sou um cientista, não um formulador de políticas. Mas ele me disse que minha experiência na condução de revisões sistemáticas seria necessária para iniciar o projeto.

 

Depois de revisar a literatura, porém, fiquei surpreso ao encontrar poucas publicações relevantes para recorrer. Quase todas as publicações sobre autismo e educação, serviços de saúde e defesa foram em e sobre países de língua inglesa.

 

Acontece que quase todos os países carecem de dados sociodemográficos sobre seus cidadãos autistas. Como resultado, sabemos pouco sobre como as experiências de pessoas autistas variam com idade, etnia, raça, nível educacional, estrutura familiar, renda e muito mais dentro de nossas fronteiras – dados que são cruciais para fornecer serviços especializados e criar políticas eficazes.

 

Mas acredito que aprendendo com os desafios e sucessos de outras nações que registram melhor seus dados, o Brasil pode se tornar um líder no planejamento do atendimento às necessidades de indivíduos autistas.

 

A escassez de dados no Brasil e na maioria dos outros países resulta da falta de infraestrutura dedicada: não existe uma entidade governamental especializada em autismo e nenhum sistema centralizado de coleta de dados administrativos.

 

Uma das poucas exceções são os Estados Unidos, que possuem um sistema robusto de captação de dados administrativos para o planejamento de políticas e serviços de apoio à comunidade autista. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA monitoram regularmente a prevalência do autismo. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA tem um Comitê de Coordenação de Autismo Interinstitucional que apoia pesquisas sistemáticas em instituições. Estados individuais, como a Pensilvânia, realizam seus próprios censos administrativos para coletar dados sociodemográficos sobre a comunidade autista. Cada uma dessas entidades faz parceria de maneiras diferentes com grupos de apoio.

 

Para entender melhor como esses e outros grupos nos EUA estruturam seus sistemas de dados e o papel do estado em relação aos seus cidadãos autistas, desde setembro de 2021, Rodrigues e eu realizamos pesquisas exploratórias sob o patrocínio da Comissão Fulbright e em parceria com Lindsay Shea no A.J. Drexel Autism Institute, na Filadélfia, Pensilvânia. Nossos achados podem ajudar o Brasil e outros países de baixa a média renda a começar a coletar dados sociodemográficos sobre pessoas autistas e fornecer serviços especializados em autismo. Essa parceria também pode levar a descobertas para ajudar os EUA a monitorar e atender melhor famílias de todas as origens sociodemográficas.

 

Até agora, analisamos a estrutura institucional nos EUA, incluindo grupos de defesa, como Autism Speaks, que são principalmente filantrópicos em seu objetivo; grupos de pesquisa como a International Society for Autism Research; e entidades de saúde pública, como o CDC, que se concentram na pesquisa e prestação de serviços para pessoas autistas.

 

Como transferir e adaptar práticas e instituições bem-sucedidas dos Estados Unidos para o Brasil? O Brasil deveria seguir os mesmos passos que os EUA – foram mais de 20 anos para a aprovação de novas leis para garantir que pessoas autistas nos EUA tivessem acesso a serviços e fossem estabelecidos grupos de defesa e organizações filantrópicas para apoiar a pesquisa sobre autismo – ou existe uma maneira acelerar esse processo no Brasil?

 

Argumentamos que o melhor caminho a seguir envolve três etapas. O primeiro passo deve ser definir os limites do que é possível no Brasil – quais instituições são necessárias e poderiam ser criadas para coletar dados sociodemográficos e qual orçamento está disponível. Essa etapa também inclui a identificação de quais processos são adequados à cultura brasileira e quais requerem adaptação.

 

O segundo passo deve ser identificar as principais partes interessadas para desenvolver um plano estratégico. Propomos que haja três atores principais envolvidos nesses processos: grupos de defesa, agências especializadas em serviços para o autismo e a comunidade acadêmica focada em pesquisas sobre autismo. Em alinhamento com os modelos de saúde pública para detecção, intervenção e política de autismo, afirmamos que a infraestrutura que criamos para coletar e utilizar dados sociodemográficos sobre o autismo no Brasil deve ser desenvolvida entre essas partes interessadas simultaneamente.

 

O terceiro passo é garantir que as pessoas autistas e suas famílias participem do processo para evitar qualquer planejamento político unilateral de cima para baixo, que ocorre com muita frequência e falha em colocar no centro de qualquer decisão as vozes e experiências vividas das pessoas afetadas por essas decisões.

 

Como um dos maiores países do mundo, o Brasil precisa urgentemente tomar essas medidas para desenvolver infraestrutura, políticas e planejamento inteligentes para atender o que parece ser um número crescente de autistas, à medida que a prevalência do autismo aumenta globalmente. Sem esse progresso, nossas comunidades carecem das informações necessárias para promover soluções para melhorar a qualidade de vida e os resultados dos autistas.

 

Wainesten Camargo da Silva é Ph.D. Doutorando pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) em Palmas, Brasil. Waldecy Rodrigues, professor de economia da UFT, e Lindsay Shea, diretora do Policy and Analytics Center do A.J. Drexel Autism Institute na Filadélfia, Pensilvânia, também contribuiu para este artigo.

 

Tradução livre do artigo originalmente publicado em inglês no site SPECTRUM.ORG, disponível AQUI